Página inicial

Modelagem do avanço da COVID-19 no interior do Brasil

Metapopulation modeling of COVID-19 advancing into the countryside: an analysis of mitigation strategies for Brazil

Outbreak diversity in epidemic waves propagating through distinct geographical scales

Autores

Trabalho publicado: Physical Review Research 2(4) 043306 (2020)

Material Suplementar (Supplementary Material): Physical Review Research 2(4) 043306 (2020) (English)

arXiv:2011.03380; https://arxiv.org/abs/2011.03380 (trabalho atualizado) medRxiv 2020.05.06.20093492; doi: https://doi.org/10.1101/2020.05.06.20093492 (trabalho anterior)

Análises extras estão disponíveis na página “Análises sobre o avanço da COVID-19 no interior do Brasil”.

Realizamos uma modelagem que incorpora dados demográficos, epidemiológicos e de mobilidade humana para estudar o avanço da COVID-19 no interior do Brasil. Também levamos em conta a área urbana para mediar os contatos entre pessoas. O trabalho foi desenvolvido por nossa equipe com anos de tradição em modelagem epidemiológica no Grupo de Investigação de Sistemas Complexos do Departamento de Física da Universidade Federal de Viçosa (UFV).

Objetivo

O objetivo desse trabalho foi de mostrar o que pode acontecer a longo prazo no espalhamento da COVID-19 no Brasil sob a hipótese de diferentes cenários de confinamento e de restrição de mobilidade inter-urbana.

Como é o modelo?

Um país de dimensões continentais como o Brasil possui grandes diferenças em termos de população e infraestrutura. Por isso, demanda uma modelagem epidêmica com resolução muito maior que os modelos compartimentais usuais. Para obter essa resolução, utilizamos a abordagem de metapopulações.

Uma metapopulação representa um agrupamento de indivíduos em subpopulações. As pessoas podem interagir dentro de um determinado grupo e também se deslocar entre eles. Neste trabalho, cada agrupamento representa um município e cada indivíduo pode estar em um determinado estado epidêmico.

Como sabemos, a transmissão da COVID-19 está intimamente ligada à mobilidade humana. No nosso caso, consideramos dois tipos de mobilidade entre municípios: pendular (em que indivíduos vão e voltam em curtos períodos de tempo, para trabalhar ou estudar) e aérea. Esses dados foram obtidos a partir do censo 2010 do IBGE e os fluxos aéreos pela ANAC.

Além disso, incorporamos explicitamente a densidade populacional utilizando as áreas urbanas de um estudo da EMBRAPA para os municípios brasileiros, já que existem municípios com grandes área territoriais, como no norte do país. As populações rurais e urbanas também foram levadas em conta nesse modelo.

O que acontece dentro de cada município?

Nesse modelo, temos a população de cada município e as pessoas podem se deslocar de um lugar para o outro a partir dos dados de mobilidade humana. O fluxo de pessoas entre as cidades i e j é dado por elementos Wij de uma matriz de mobilidade, indicando a quantidade de pessoas que residem em i e se deslocam para j. Considerando esse fluxo, podemos estudar como a doença se propaga para outras cidades a partir desses movimentos.

Já do ponto de vista da propagação da epidemia, podemos utilizar a abordagem compartimental, que indica as fases dos indivíduos em relação à COVID-19 por meio de compartimentos. Nesta versão do modelo, utilizamos seis compartimentos:

A existência do estado assintomático é considerado pela comunidade científica o grande diferencial e aspecto chave da pandemia de COVID-19, pois pessoas nesse estado se movem e interagem livremente uma vez que não têm ciência de seu estado infeccioso. Transições entre essas fases acontecem com taxas específicas, que são calibradas com os valores já conhecidos na literatura científica e análise dos dados.

Medidas de mitigação e calibragem do modelo

Para uma dinâmica epidêmica começar, precisamos do que chamamos de sementes, que são as pessoas que espalharão a epidemia. Utilizamos os casos confirmados por município até os dias 31/03 e 04/04 para estimar a distribuição de infectados pelo território brasileiro. A partir disso, o modelo evolui seguindo os parâmetros que fixamos. Esses dados estão disponíveis em https://covid19br.wcota.me/.

Primeiramente, calibramos o modelo através de parâmetros ajustáveis, como a taxa de testagem e o crescimento inicial da epidemia para alguns dias e deixamos evoluir livremente até o fim da epidemia considerando alguns cenários: sem mitigação, mitigação fraca e mitigação moderada.

O modelo foi calibrado adotando a mitigação fraca, que foi o cenário mais próximo da situação até a submissão do trabalho.

Resultados

Com esse modelo é possível estudar diferentes níveis regionais: estados, regiões intermediárias, regiões imediatas e municípios, como no exemplo para Minas Gerais com mitigação fraca. Na figura abaixo, o eixo vertical Y representa a prevalência de pessoas sintomáticas (fração da população em casos ativos) e o eixo horizontal X o tempo decorrido, em dias. Os picos são diferentes e a dispersão existe mesmo em escalas geográficas de menor resolução, que no caso são os municípios.

Isso não ocorre apenas em Minas Gerais, mas em todos os outros estados (exemplo para hipótese de confinamento fraco):

Um dos principais resultados é relativo a variação da duração e intensidade dos surtos epidêmicos nos municípios. A onda epidêmica começa em alguns focos concentrados em regiões populosas e se propaga para o interior, como mostram os videos abaixo:

A lista completa com todos os vídeos está disponível aqui: https://www.youtube.com/playlist?list=PLUstNYk0XuQr0xs4mnF7FWeV8Wbci91e-

Os vídeos mostram um exemplo muito interessante do que acontece: o famoso pico pode atingir as cidades em diferentes tempos, e ter durações completamente diferentes. Enquanto as capitais geralmente passam por ele mais cedo, a situação tarda mais a melhora no interior.

É interessante notar o efeito dos confinamentos em diferentes regiões: além de achatar a curva localmente e reduzir o número total de infectados, esse confinamento influencia diretamente nos surtos epidêmicos de regiões próximas, variando tanto o dia quanto a largura dos picos da epidemia. E isso pode ser bom! Se diferentes regiões passam pelo surto em momentos diferentes, é possível desafogar o sistema de saúde desses lugares mais remotos, que podem utilizar-se da estrutura dos municípios que já possuem grande parcela da população imunizada. A figura abaixo, considerando mitigações moderadas, ilustra bem essa dispersão dos picos para cada região imediata do país. Pode-se perceber que essa diferença temporal nos picos pode ir de 5 a 100 dias entre as capitais e as cidades mais afastadas.

A mensagem principal é que os mesmos protocolos de mitigação aplicados em regiões diferentes podem ter efeitos diversos na propagação da COVID-19. Dessa forma, as políticas de combate à epidemia devem ser projetadas de acordo com a especificidade da região mas integradas com a situação geral do país.

Na mídia

Autores

O trabalho foi desenvolvido no Grupo de Investigação de Sistemas Complexos (GISC) do Departamento de Física da Universidade Federal de Viçosa (UFV).

Citação

Esta publicação está disponível com o DOI https://doi.org/10.1103/PhysRevResearch.2.043306. Disponibilizamos abaixo o formato BibTeX para citação. Os demais formatos estão disponíveis na Physical Review Research.

@article{PhysRevResearch.2.043306,
  title = {Outbreak diversity in epidemic waves propagating through distinct geographical scales},
  author = {Costa, Guilherme S. and Cota, Wesley and Ferreira, Silvio C.},
  journal = {Phys. Rev. Research},
  volume = {2},
  issue = {4},
  pages = {043306},
  numpages = {13},
  year = {2020},
  month = {Dec},
  publisher = {American Physical Society},
  doi = {10.1103/PhysRevResearch.2.043306},
  url = {https://link.aps.org/doi/10.1103/PhysRevResearch.2.043306}
}

Autores

O trabalho foi desenvolvido no Grupo de Investigação de Sistemas Complexos (GISC) do Departamento de Física da Universidade Federal de Viçosa (UFV).